Publicado em Janeiro de 1971, em plena época marcelista, esgotou rapidamente os 3000 exemplares da 1ª edição e teve uma 2ª edição em Fevereiro desse mesmo ano. Não se conhece qualquer referência na imprensa ao livro.

 

Uma das explicações para a rápida difusão da obra terá sido o facto de JMP ter publicado em 1969, na revista O Tempo e o Modo (nº 73), um artigo “A Longa Descoberta do Caminho Marítimo para a Europa”, que suscitou ampla discussão. Ora é esse texto que abre Pensar Portugal Hoje. Outra razão dever-se-á à forma como a informação circulava nesses tempos: a palavra passava de boca em boca nos cafés, nas Associações de Estudantes, e noutros espaços de convívio, e a sede de informação era imensa. Neste caso, o Vává terá desempenhado certamente um papel.

 

Embora à época não tenha havido referências ao livro, a seguir à sua morte, em 13 de Novembro de 2008, foram raros aqueles que não mencionaram Pensar Portugal Hoje nos seus textos, de uma forma mais ou menos pessoal.

 

Na entrevista que deu a Maria João Seixas (Público, 2001), JMP refere-se ao livro:

MJS – Repeguemos no teu desejo de escrever. Para além dos artigos que começaste, com regularidade, a publicar, surge a um dado momento um primeiro livro - Pensar Portugal Hoje. Como é que aconteceu esse salto?

JMP – O livro é gerado no Tempo e o Modo. Foi editado pela D. Quixote e saiu em Janeiro de 71. A situação já estava de tal maneira alterada no Tempo e o Modo, que cheguei a ter, internamente, um julgamento político. Fui acusado de tudo e mais alguma coisa, por gente muito respeitável que por aí anda.

MJS – Qual era a tua intenção de tese no Pensar Portugal Hoje?

JMP – Era, no essencial, demonstrar que o grande capital português estava interessado em modernizar-se, eventualmente até em liberalizar-se. Eu chamava a isso uma antecipação super-estrutural. Esse era o grande interesse do capital em Portugal e não que o país se mantivesse na sua dimensão rural. Não te esqueças que estamos já no Marcelismo. Havia no sector industrial português uma certa vontade de modernidade, acompanhada do sentimento da necessidade de abertura ao mundo. Se possível, sem perder as colónias. O início da década de 70 é, de facto, marcado por um razoável crescimento económico.

MJS – E dessa tua leitura sobre o grande capital português poder-se-ia deduzir que o apontavas como capaz de uma contribuição para o fim do regime?

JMP – Não. Não apontava nessa direcção. Tive que escrever com algum cuidado e nem pude ser muito explícito, na medida em que os interesses coloniais e ligados à guerra colonial constituíam um obstáculo brutal a que essa modernização se desse.

“Como toda a gente desse tempo interessada no que se passava aqui e no mundo, fui um leitor fascinado dos teus textos na Vida Mundial e, claro, do Pensar Portugal Hoje”. [Adelino Gomes, Casa da Achada, 2009]

João Martins Pereira, que faleceu em Novembro passado, foi um dos intelectuais portugueses que mais influenciou as correntes críticas da esquerda depois de 1969. A sua obra Pensar Portugal Hoje, publicada em 1971, foi um marco. Ali se recolhiam artigos escritos para a revista O Tempo e o Modo, a cuja 2ª série esteve associado. Num deles procedia João Martins Pereira à identificação das condições em que o capitalismo português fazia o caminho da aproximação europeia, apontando as contradições e impasses a que estava sujeito. Havia um rigor que não sacrificava inquietação, uma capacidade de análise invulgar que não se enquadrava nas ortodoxias dominantes e se afastava das vulgatas marxistas. [João B. Serra, O que eu andei, 12 Março 2009]

“Quando o João estava no Tempo e o Modo, a revista decidira publicar um artigo que veio a ser “A Longa Descoberta do Caminho Marítimo para a Europa”. Quis o João associar-me a esse projecto desde o início. [...] Passámos algumas boas horas a refazer o roteiro para a Europa. Nada me deu mais satisfação do que ver o João ir bastante mais além através do Pensar Portugal Hoje, merecidamente o livro de referência da esquerda não sectária que começava a ganhar corpo depois das eleições de 1969” [João Cravinho, depoimento a MV]

Faleceu ontem João Martins Pereira. Engenheiro, 76 aos, Martins Pereira publicou um livro que ficou célebre antes do 25 de Abril, “Pensar Portugal Hoje”. Foi secretário de Estado da Indústria do 4º Governo provisório, com o ministro João Cravinho e colaborou com a gestão das nacionalizações. [Combate, 14 Nov. 2008]

O meu primeiro encontro com João Martins Pereira aconteceu quando entrei numa pequena livraria de uma pequena vila do interior e dei numa estante com o recém-saído Pensar Portugal Hoje. Era o inverno de 1971 e, apesar do breve degelo marcelista, falar livremente de Portugal, pensando-o como presente, de uma forma dinâmica e não como mera projeção de um despótico antigamente, era então sinal de audácia. Mais ainda quando se proclamava, como acontecia logo na introdução, que o país «hoje» (então) a ser vivido se confrontava com «uma excessiva pobreza e superficialidade da parte dos que dele se têm ocupado numa perspetiva crítica (ou que assim se apresenta).» Mesmo o meio-entendedor percebia de imediato que o autor não se limitava a ensaiar um diagnóstico da realidade portuguesa e dos seus bloqueios à época, afastando-se declaradamente de algumas das leituras que lhe pareciam insuficientes ou mesmo ultrapassadas. Esta marca de ousadia, independência e inteligência crítica, logo percetível neste estudo, foi no fim de contas um dos traços persistentes de JMP como ensaísta, crítico e homem de causas.

[Rui Bebiano, Bio-bibliografia de JMP]

Autor de algumas obras de leitura obrigatória para quem queira conhecer o Portugal do período da transição para a democracia -- Pensar Portugal, Hoje, 1971; Indústria, Ideologia e Quotidiano, 1974; O socialismo, a transição e o caso português, 1976 – Martins Pereira aliava a um profundo conhecimento das questões que se prendiam com o desenvolvimento industrial e o sistema económico a radicalidade de uma análise da sociedade que não ignorava a centralidade da acção política [...]. E deixa-nos sobretudo, mesmo àqueles que o conheceram pouco e mal, uma tentativa original, e quase solitária, de pensar a esquerda, fora de qualquer alinhamento, é certo, mas em diálogo crítico intenso com o seu tempo. [João Santos, Clube de Reflexão Política - A Linha, 12 Março 2009]

“O seu primeiro livro, Pensar Portugal Hoje (D. Quixote, 1971), uma colectânea de artigos cuja primeira edição de 3000 exemplares se esgotou num mês, foi uma obra central para aqueles que, contra ou nas margens do regime, ansiavam pela modernização e pela democracia.

"O João Martins Pereira tinha uma enorme capacidade analítica e uma grande capacidade crítica e o Pensar Portugal Hoje era uma proposta de reflexão do país, à esquerda", diz João Cravinho. "O livro tinha uma conceptualização ideológica forte, mas não era um livro de chavões, não fazia as leituras que na altura eram as convencionais na esquerda. Era um livro aberto, com uma grande frescura analítica, que se opunha àquelas ortodoxias que às vezes não tinham grande apoio na realidade. Não era um livro a preto e branco." [José Vítor Malheiros, Público, 15.11.2008]

João Martins Pereira: o necrólogo do marcelismo: Pensar Portugal Hoje é o título de um breve livro de ensaios publicado em 1971: defendia a tese que a manutenção das colónias portuguesas em África era incompatível com a nossa adesão ao Mercado Comum, título coevo da União Europeia. O governo de Caetano, nomeado para nosso autocrata dois anos antes, asseverava que a África e a Europa eram compatíveis. Salvo algumas bolsas de resistência, a opinião pública quer de esquerda que de direita sufragou a tese do livro. Pensar Portugal Hoje foi a autópsia intelectual da política de Marcelo Caetano. Três anos depois foi o 25 de abril. [Luís F. Salgado Matos, O economista português, 25 Nov. 2019]

Martins Pereira foi uma figura singular na reflexão política e económica em Portugal. Dotado de uma agudeza analítica muito apurada, tinha um pensamento original sobre muitas matérias do nosso quotidiano, no qual se combinava um rigor, que vinha da suas formação de engenheiro, com uma perspetiva económica e sociológica de onde ressaltava uma rara consistência ideológica. Os seus combates, feitos sempre de forma discreta, situaram-se, quase sempre, num terreno bastante radical, embora isento de dogmatismo.

Antes do 25 de abril, publicou um livro que deu brado: "Pensar Portugal hoje". [Francisco Seixas da Costa, Duas ou três coisas, 9 Dez. 2011]

Há um ano atrás faleceu João Martins Pereira, o autor do livro que ficou célebre antes do 25 de Abril, «Pensar Portugal Hoje» e de tantos outros grandes contributos teóricos e políticos para a reflexão da esquerda portuguesa. [Esquerda.net, 11 Nov. 2009]

João Martins Pereira é como alguns amigos de que ele fala: uma referência. Mesmo se nele pensamos mais do que o vemos, sabemos sempre que está lá... ou aqui, algures entre nós. Há quase vinte anos assim, desde que nos desafiou a pensar com o seu ... Pensar Portugal Hoje, até hoje que somos bastante menos do que outrora a aceitar-lhe o repto. [Rodrigues da Silva, DL, 5 Dez. 1989]

Crítico irredutível do capitalismo quotidiano – que é agora o tempo deste último livro [O Dito e o Feito] – começou há muito um paciente trabalho de desmontagem: com Pensar Portugal Hoje (1971) apresentou a primeira análise antecipadora do movimento de modernização do capitalismo português, por via de um europeísmo tecido nas malhas apertadas da marcelização da ditadura [...] [F. Louçã, O Jornal, 1990]