JMP termina o curso de engenharia química no IST e, depois de uma brevíssima passagem pela CUF (1958), entrou para a Siderurgia Nacional (1958-1962). Sobre esse período, e sobre a decisão de sair em 1962 da SN, fala JMP no seu caderno de 1986:
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Costa, 3.1.86
Há muito que pensava contar nestas páginas a história da minha passagem da CUF para a Siderurgia em 1958, já que é exemplar do que é “tratar homens como mercadorias” (coisa hoje tão esquecida: com a “água do banho” do marxismo, deitaram-se fora alguns preciosos bebés...), e por temer algum dia vir a esquecer-me dos seus “saborosos” pormenores. Ao fim de 25 anos, creio não ter esquecido ainda nada de essencial. Um estágio que fizera em 1955 (nas férias do 5º para o 6º ano do IST) em empresas siderúrgicas francesas tornara-me um “apaixonado” dessa indústria ainda inexistente em Portugal, mas já então em princípio de lançamento pelo Champalimaud. Ao sair da tropa em Janeiro de 1958 tinha de me empregar imediatamente, pois o meu pai saíra de casa em 1957 e tornava-se indispensável ganhar o necessário para sustentar a família. No momento, tive de aceitar o convite da CUF – que o fazia sempre aos melhores alunos do curso de Química, a quem atribuía um Prémio. [...] Por volta de Abril/Maio, a Siderurgia Nacional começa a seleccionar engenheiros para irem estagiar para a Alemanha: os futuros quadros da fábrica do Seixal. Os meus colegas Noronha e Tavares – do meu curso, da “minha” tropa – candidatam-se e são de imediato escolhidos. Põe-se-me um problema grave “de consciência”, pela primeira e última vez, aliás: será correcto, tendo sido convidado pela CUF, sair (ou tentar sair) ao fim de 3 meses, só porque me interessava mais trabalhar na indústria siderúrgica do que na indústria química? Que fazer? Decidi ir saber que hipóteses teria na SN. Recebido pelo Eng. Estácio Marques, expus-lhe a minha situação e o meu interesse. Ao que me respondeu que estaria interessado, mas que, dado estar-se em fase de negociações delicadas entre a SN e a CUF para o fornecimento de cinzas de pirite (e sabendo-se o ódio figadal entre as duas famílias Mello-Champalimaud), só me admitiriam se fosse possível assegurar que a CUF não se oporia à minha saída. Fiquei de me informar sobre esse ponto. Vi-me obrigado a “abrir o jogo” ao Eng. Teixeira Lopo, e pedir-lhe “conselho”. Compreendeu perfeitamente a situação, e disse-me que só havia uma solução: pedir uma audiência ao Dr. Jorge de Mello, o “big boss”. Que ele era uma pessoa muito acessível e que certamente entenderia o meu caso e não poria obstáculos. Aí vou eu à Rua do Comércio, onde então funcionava o estado-maior da CUF, e consigo ser recebido rapidamente.
Jovem e cândido engenheiro, aí me vejo no enorme gabinete de Sua Excelência, a quem abro igualmente o jogo todo, sem quaisquer subterfúgios ou rodeios. Solene, S. Exª entra de imediato na matéria: “Só me interessa ter na CUF engenheiros cujo objectivo seja fazer carreira na empresa e subir aos mais altos cargos. Gente ambiciosa, que trabalhe para “vencer”! Ora, pelo que me diz, não é este obviamente o seu caso: ao fim de poucos meses, já põe a hipótese de sair... Portanto, não se preocupe, não lhe porei quaisquer dificuldades. Pelo contrário, dou-lhe toda a liberdade: a partir deste momento pode considerar-se despedido!” [...] De qualquer modo, embora surpreendido, não fiquei excessivamente preocupado, pois que se me abriam, por esta inesperada via, as portas da Siderurgia Nacional. Lá fui comunicar ao Eng. Estácio Marques a minha disponibilidade, que traduzia, embora de uma forma brutal, a intenção da CUF de não criar dificuldades à minha passagem para a SN. Registou e disse que ia fazer seguir a minha candidatura. Que telefonasse daí a uns dias, pois já devia haver uma decisão favorável. Assim fiz, tendo-me pedido que fosse falar com ele. Encontrei-o bastante enfiado, e não era caso para menos. Segundo me informou, o Dr. Jorge de Mello, na sequência da nossa entrevista, escrevera ao Champalimaud a propor-lhe um “gentlemen’s agreement”: que nenhuma empresa aceitasse pessoal proveniente da outra, a começar pelo sr. Eng. Martins Pereira... Assim sendo, nada feito! Desta vez, fiquei mesmo desempregado.
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E não podia estar nessa situação por muito tempo. Felizmente que, na altura, não havia problemas de colocação para engenheiros químicos, em particular bem classificados. Pus-me logo em contacto com o Prof. Herculano de Carvalho, então a organizar a nova empresa Soc. Port. de Petroquímica. Conversa puxa conversa decorreram mais três semanas, ao fim das quais o Herculano me diz ir propor à Administração a minha candidatura, e que seria aprovada sem dificuldades. Um ou dois dias depois, telefona-me o Estácio Marques para eu lá ir. Desta vez, o homem parecia mesmo o “jesuíta” que, aliás, sempre foi: “sabe, Martins Pereira, a situação entretanto mudou. Você está desempregado, não se pode dizer que a SN o foi buscar à CUF... Estaríamos interessados em admiti-lo, caso esteja de acordo...” Nessa altura, talvez pela primeira vez, “pensei adulto”, não sei se no melhor se no pior sentido: se o que verdadeiramente me interessa é trabalhar em Siderurgia, ir fazer um longo estágio ao estrangeiro, libertar-me da tutela materna, etc. etc., por que não hei-de aceitar, por que prender-me com pretensos orgulhos? E aceitei, jurando a mim mesmo naquele momento que sairia da SN no dia em que terminasse o contrato de 4 anos que me propunham. E mais: que tudo faria para, ao findar o prazo, ter atingido uma posição de responsabilidade tal que não fosse indiferente à SN a minha saída.
Assim se passaram as coisas exactamente. Assinado o contrato em 24 de Agosto de 1958, deixei a SN em 24 de Agosto de 1962, como Chefe do Serviço da Aciaria e um dos mais “considerados” engenheiros da empresa. Mas reconheço que um ponto não foi cumprido: na realidade, dado o conjunto de engenheiros que haviam estagiado no estrangeiro, não julgo ter feito grande falta à SN. Mas, para mim, o assunto estava arrumado, e logo me apareceu o emprego para a Venezuela e, com isso, a possibilidade de ir depois passar um ano a Paris.
[JMP, caderno de notas,1986], publicado em Biobibliografia, pp. 22-25
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Na entrevista a Maria João Seixas (Público 1 Abr. 2001), JMP reflecte sobre a experiência chefe de serviço da aciaria.
E aí começam-se-me a pôr problemas: com vinte e poucos anos tinha 200 homens sob a minha chefia que, na sua maior parte, vinham dos empreiteiros que tinham estado lá a fazer a construção. Gente com muito pouca formação e que, de repente, se vê a ter que conduzir uma ponte rolante com uma panela de 30 toneladas de aço líquido. Um tipo começa a sentir-se mal, a sentir uma responsabilidade imensa, e se há um acidente?, além de ver aquela gente, que ganhava pouquíssimo, com privações terríveis... Comecei a pensar qual era o meu papel no meio daquilo tudo. Tinha que perceber melhor outras coisas, coisas que a fábrica só por si não me dava. De alguma maneira eu já tinha tenções de deixar a Siderurgia quando acabasse o meu contrato. E saio, em Agosto de 62. A minha vontade era ir aprender coisas que me servissem para esclarecer todas essas dúvidas. Deparou-se-me uma hipótese muito interessante, a de ir para a Venezuela durante um ano, dirigir uma fábrica de vidro, de um português. Mais uma vez – fornos! Pelos meus cálculos, que provaram estar certos, isso dava-me para, ao fim de um ano, poder ir estudar para Paris.
[JMP, Entrevista de MJ Seixas, 2001]
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Vai para a Venezuela em 8 de Dezembro de 1962, onde trabalha como director de produção numa fábrica de vidro impresso e garrafaria, Centro Vidriero de Venezuela, em Guarenas. Acaba o contrato em 31 de Julho 1963 e vai directamente para Paris estudar economia no Institut des Sciences Sociales du Travail, onde fica até 1964. Em 1965 entra o Departamento de Estudos Económicos da Profabril, onde permanecerá até 1982.
Entre 1970 e 1972 é assistente de Economia Industrial, ISCEF (hoje ISEG), a convite de João Cravinho.
Só a partir de 1981, JMP começou a guardar documentação da sua vida profissional – estudos, apontamentos, documentação – Inventário disponível aqui
Para uma informação mais completa do percurso profissional de JMP, consultar o extracto da Biobibliografia aqui.
Vai para a Venezuela em 8 de Dezembro de 1962, onde trabalha como director de produção numa fábrica de vidro impresso e garrafaria, Centro Vidriero de Venezuela, em Guarenas. Acaba o contrato em 31 de Julho 1963 e vai directamente para Paris estudar economia no Institut des Sciences Sociales du Travail, onde fica até 1964. Em 1965 entra o Departamento de Estudos Económicos da Profabril, onde permanecerá até 1982.
Entre 1970 e 1972 é assistente de Economia Industrial, ISCEF (hoje ISEG), a convite de João Cravinho.
Só a partir de 1981, JMP começou a guardar documentação da sua vida profissional – estudos, apontamentos, documentação – inventário publicado aqui.
Para uma informação mais completa do percurso profissional de JMP, consultar o extracto da Biobibliografia aqui.
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